SLIDER

  • O avô das viagens temporais
  • Antecipados e aguardados
  • Rick Deckard não é humano (!?)
  • Você já refletiu hoje?
  • A melhor versão da Ameaça Fantasma
  • Analisando um verdadeiro blockbuster
  • Muito mais que um clássico
  • O icônica mangá de Togashi!
  • O Metroidvania definitivo!
  • Lutas colossais e violência
  • Uma ótima aventura poligonal.

3 de fevereiro de 2016

[Resenha] ― 1984, George Orwell



Recentemente tem crescido o número de produções literárias que retratam universos distópicos ou dominados por sistemas políticos totalitários, dos quais a humanidade ― ou ao menos as partes menos favorecidas dela ― sofrem uma grande opressão. Grande parte desses livros fazem parte do gênero conhecido como Young-adult, ou às vezes como literatura infanto-juvenil; sua síntese é apresentar um mundo onde um personagem que comumente faz parte do proletariado desafia o seu inimigo dominador.

George Orwell é um escritor conhecido pela sua crítica à plataforma política e à sistemas onde os pobres são desfavorecidos em favor dos ricos, algo que é retratado em seu livro A Revolução dos Bichos. 1984, no entanto, atinge um nível ainda mais alto nesse sentido ao nos trazer a história do personagem Winston Smith dentro de uma Inglaterra dominada pelo poder do Partido e, acima de tudo, vigiada constantemente pelo Grande Irmão:

Em 1984 o mundo não conhece mais o que seja democracia: governos totalitários o controlam, de uma forma total, e ultra eficiente. Sistemas inteiros foram criados para controlar não somente as atividades mas os próprios pensamentos dos seres humanos. Não há mais liberdade, a não ser aquele tipo de liberdade imposta pelo Estado. Não há mais cultura, a não ser aquela desejada e imposta pelo Estado. Não se conhece mais o amor: entre homens e mulheres somente se processam relações determinadas e controladas pelo Estado. É o Estado total, de uma forma total.

Em meio a esta atmosfera sinistra, fantástica mas possível, a pena magistral de George Orwell nos particulariza as angústias de um homem  Winston  no qual ainda restam vestígios de uma aspiração democrática.*

Situada num âmbito que pode ser considerado atemporal ― o narrador sintoniza os eventos em um suposto ano de 1984, ainda que para o personagem não seja possível saber com certeza, mas o reflexo da história que constrói poderia fazer sentido tanto contemporaneamente como em todo o século XX ― a história de Winston figura um universo onde não existe pensamento racional, sem metáforas: o raciocínio lógico e a crítica que definem o ser humano como superior deixaram de existir, tamanho o nível de manipulação sofrida pelos cidadãos da chamada Oceania, continente em que acreditam viver. Governados pelo Partido ― uma espécie de sistema político-econômico que é a máxima do totalitarismo ― tanto os funcionários do governo, considerados pessoas comuns, quanto os habitantes da periferia, considerados como proles, estão sobre constante lavagem cerebral e são forçados a acreditar que todas as informações divulgadas são a verdade absoluta, e a única de que precisam.

O protagonista, sob a ótica do narrador, é o único que se questiona a respeito da ideologia forçada pelo Partido e por seu icônico fundador, conhecido como O Grande Irmão, uma figura que nunca se mostra, mas que foi notoriamente embutida nas massas. Tentando encontrar uma maneira de burlar o sistema corrupto e opressor, ele luta para sobreviver e atribuir significado verdadeiro à sua própria vida, ao mesmo tempo em que participa de um improvável porém interessante romance com a personagem Júlia.

[...] Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força [...]
É preciso muito esforço para saber e não saber, ter consciência da completa verdade ao contar mentiras cuidadosamente construídas, para manter simultaneamente duas opiniões, sabendo que são contraditórias, e acreditar em ambas. [...] **

A capacidade do texto de viajar no tempo torna-o mais rico na medida em que consegue abordar diferentes assuntos interligados: política, economia, sociologia, manipulação social e ideologia, passando por inúmeras configurações importantes. O personagem Winston é uma representação do homem livre, pensante e racional, e de alguma maneira rebelde: ele simboliza uma fresta de otimismo na visão social do autor. A enorme opressão exercida pelo Partido leva o leitor a muitos questionamentos de naturezas diferentes, na maioria das vezes aplicáveis ao seu próprio sistema político-econômico, e funciona como um bom instrumento narrativo e de enredo, contribuindo para que criemos empatia pelo indivíduo oprimido e sua latente necessidade de libertação.

Não se estabelece uma ditadura para defender uma revolução, defendemos uma revolução para defendermos uma ditadura. [...] 
Enquanto eles não se conscientizarem, não serão rebeldes autênticos e, enquanto não se rebelarem, não têm como se conscientizar. ***

Finalmente, é válido citar a impressionante terminologia e carga conceitual elaborada por Orwell na criação de sua obra, pois é natural que um sistema de controle tão rígido imponha na população o seu próprio idioma: a Novilíngua. Desenvolvida como uma versão super-abreviada do inglês original, a Novilíngua tem o objetivo de tornar obsoletas todas as palavras que podem levar o cidadão a pensar demais e produzir faíscas de raciocínio. Expressões criadas como “crimideia”, que define como crime o mero ato de pensar de maneira diferente, são exemplos notáveis da profundidade trazida pelo escritor.

Pessoalmente, gostei muito da leitura, pois já havia lido A Revolução dos Bichos e o considerei algo intelectualmente precioso. George Orwell entrara para minha lista de escritores favoritos e foi isso que me atraiu para suas páginas uma segunda vez. Ainda que a narrativa de 1984 seja por vezes densa e até enfadonha, o conteúdo sempre surpreende e continua a prender a atenção, pois são muitos conceitos novos e uma visão intrigante de algo que pode estar mais próximo do que imaginamos. Ao terminar de ler me senti obrigado a questionar a mim mesmo se, de alguma maneira, eu estaria ocupando o mesmo espaço do protagonista em um plano diferente.

1984 é uma obra muito valiosa, proporcionando uma experiência de leitura que oferece muitas interpretações e reflexões além de uma ótima trama. Uma recomendação de peso para todos que apreciem a boa e velha literatura inglesa.





Eric Arthur Blair (Motihari, Índia Britânica, 25 de junho de 1903 – Camden, Londres, Reino Unido, 21 de janeiro de 1950), mais conhecido pelo pseudônimo George Orwell, foi um escritor, jornalista e ensaísta político inglês, nascido na Índia Britânica. Sua obra é marcada por uma inteligência perspicaz e bem-humorada, uma consciência profunda das injustiças sociais, uma intensa oposição ao totalitarismo e uma paixão pela clareza da escrita. Apontado como simpatizante da proposta anarquista, o escritor faz uma defesa da auto-gestão ou autonomismo. O entusiasmo do autor pelo socialismo democrático não foi abalado pela experiência do socialismo soviético,[5] um regime que Orwell denunciou em seu romance satírico "A revolução dos bichos". ****

Gostou do texto? Compartilhe! Elogios, críticas, sugestões e qualquer outro comentário podem ser feitos na sessão de comentários de cada post ou enviados para o e-mail lifebarcast@outlook.com.




* Sinopse retirada da contra capa do exemplar da editora Compahia Editora Nacional.

** Trechos retirados da obra
*** Trechos retirados da obra
**** Biografia e foto retirada de: https://pt.wikipedia.org/wiki/George_Orwell


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente com cuidado. Estamos de olho.