Um das experiências mais
interessantes proporcionadas pela literatura é aquela identificação imediata e
intensa que de vez em quando rola com algum personagem, seja de uma saga
favorita ou de uma nova obra que chega em suas mãos.
Duas semanas atrás Violet Adams
estava batendo na minha porta, pedindo que eu a deixasse entrar, pois ela tinha
idéias que queria discutir comigo, logo depois de me contar a sua história.
Fizemos um café, sentamos nas poltronas da sala e ela começou a falar, o que
durou até tarde da noite, duas semanas depois.
Sociedade
dos Meninos Gênios foi um livro que chegou até mim por indicação
de uma amiga que havia achado a temática e a protagonista muito a minha cara, e
pode-se dizer que ela estava certa. Um outro fenômeno apreciado na literatura
que às vezes se manifesta é a narrativa que consegue atender inúmeros aspectos
com sucesso — crítica social, questionamento, discussão de preconceitos etc. —
e de quebra levar o leitor a dar altas risadas e se divertir quase o tempo
todo, o que torna esta obra, do senhor Lev
AC Rosen uma recomendação que está muito além de ser direcionada apenas
para fãs de ficção científica.
O primeiro ponto que precisa
ser levantado sobre a trama é a protagonista Violet Adams, que representa uma
manifestação muito nítida de várias coisas que estavam erradas no século 19 e
algumas delas que persistem atualmente, não apenas na Inglaterra — onde rola
todo o desenvolver da história — mas também na nossa amável realidade
brasileira. Violet é mulher, e sua mera existência a coloca em uma posição de
inferioridade com relação a uma cultura que privilegia o homem. Além de ser
mulher, ela é absurdamente inteligente, e se recusa a aceitar que sua
capacidade intelectual (que é maior que a de muitos homens) seja desperdiçada e
ofuscada por não haver muito espaço para o sexo feminino dentro do meio
acadêmico da época. Cientista nata, a garota, que pretende entrar em uma
universidade londrina prestigiada que aceita somente homens, resolve se lançar
em uma aventura que irá exigir muito da sua força de vontade e resistência: se
vestir de homem e candidatar-se fingindo ser o irmão, Ashton.
Chantagem,
mistério, confusões de gênero, coelhos falantes e um assassino autômato:
mergulhe na trajetória de Violet Adams, que assume a identidade de seu irmão
gêmeo para conseguir uma vaga na mais prestigiada universidade de Londres, que
é exclusiva para meninos [...] Sociedade dos Meninos Gênios traça um retrato
pitoresco da aristocracia vitoriana, oferecendo diversão, aventura e uma
reflexão bem humorada sobre a questão do gênero.
Uma das características que
mais chama atenção na obra de Rosen é a sua iniciativa para quebrar paradigmas
e preconceitos que, apesar de serem arcaicos, permanecem no imaginário popular
e de alguma forma continuam se reproduzindo. O livro fala muito sobre respeito,
sobre a necessidade de reconhecer que cérebro não tem sexo, sobre a
possibilidade de crescimento, independência e contribuição que não vem com o
gênero e sim com a personalidade. Uma cultura que é fundamentalmente machista
se vê destruída pelas atitudes da personagem, que mesmo disfarçada de homem,
deixa bem claro em vários pontos do texto o seu desprezo para com a concepção
de que mulheres são criaturas frágeis que devem apenas apreciar flores e
belezes “femininas”:
—
Mas deixe-me mostrar-lhe alguns dos jardins — disse o duque — Espero que tenha
um interesse por jardinagem.
—
Minha mãe gostava, era ela quem cuidava do nosso jardim. E, embora eu aprecie
os extratos químicos produzidos a partir das flores, de horticultura só conheço
os rudimentos mais elementares. — Violet assentiu, com a máxima educação
possível. Não gostava de ser considerada o tipo de jovem interessada em outra
coisa a não ser flores.
Um destaque para a
protagonista por sua personalidade analítica e racional, sempre incitando
observações minuciosas sobre aspectos e coisas que a outros seria apenas algo
cotidiano. Essa característica é o molde de Violet, e mesmo que a garota também
tenha um lado romântico, sua natureza sempre reflete a inteligência e a
constatação de que mulheres possuem capacidade igual à dos homens para ocuparem
um lugar de inovação e instrução.
Aliado a essa potência do
livro que traz muitas críticas sociais, o narrador também apresenta esse
aspecto romântico envolvendo alguns personagens que, somando-se à trama
inicial, acontece de uma maneira bem construída. O autor teve o cuidado de
criar uma porta de entrada para esse elemento sem prejudicar as demais funções
da história, resultando em uma leitura que leva o leitor a apreciar tudo que
acontece simultaneamente.
Sociedade
dos Meninos Gênios nos transporta para um mundo onde a ciência torna possível o
impossível. Inspirado por duas grandes obras da literatura universal, Noite de
Reis, de Shakespeare, e A Importância de Ser Honesto, de Oscar Wilde, o livro
conta a história de Violet Adams, uma menina muito a frente de seu tempo. Ela
deseja estudar na prestigiada Universidade de Illyria, freqüentada por jovens
geniais. Muito rígida, bem de acordo com os costumes da Londres do século XIX,
a escola aceita somente alunos do sexo masculino.
Ashton e Jack,
respectivamente irmão e amigo de Violet, também merecem um destaque, o primeiro
por sua participação positiva na trama da irmã e uma personalidade que fará o
leitor ter crises de riso constantes, e o segundo por trazer um balanceamento
coadjuvante bem vindo às aventuras da garota. Demais personagens que também
estão sempre presentes — Cecilly, Mirian, Ernest, Toby etc. — ganharam uma
atenção importante do autor, que se preocupou em desenvolver as histórias e o
passado particular de cada um, convergindo para o momento presente da trama.
Todos eles tem conflitos internos e outras características que são expostas ao
leitor, tornando o texto mais rico.
Normalmente não sou um
apreciador de romances românticos — histórias de amor onde o casal é o eixo da
coisa — mas Sociedade dos Meninos Gênios
trabalha esse espaço confraternizando-o com os objetivos principais da
obra, que são as alfinetadas sociais e a forma como isso desconstrói vários
comportamentos absurdos que até hoje acontecem pertinho de nós. O texto corre
bem, sendo analítico sem ser maçante, e a leitura flui junto com as aventuras
de Violet, Jack e os outros dentro da respeitada Universidade de Illyria. A
personalidade dura da protagonista e sua capacidade de ser o símbolo de um
pensamento humanista é um dos ingredientes que, misturados á uma pegada Steam
Punk e ao bom humor da narrativa com os mistérios que ela reserva tornam o
livro de Rosen uma boa pegada tanto para fãs de ficção científica — um prato
cheio para eles — como para leitores de outros gêneros que podem apreciar a
proposta inovadora do escritor e seu jeito de abordar um assunto polêmico de
maneira criativa.
Sociedade
dos Meninos Gênios, de Lev
AC Rosen é uma experiência de leitura que abre outras perspectivas e lança
mão de uma história muito bem contada. Uma recomendação que deve estar na sua
estante o mais rápido possível!
Informações
da obra:
Título:
Sociedade
dos Meninos Gênios (All Men of Genius)
Autor:
Lev
AC Rosen
Ano:
2014
País:
EUA
Tradução:
Henrique
Monteiro
Lev
AC Rosen cresceu em Manhattan. Frequentou a Oberlin College e obteve mestrado
em Redação Criativa no Sarah Lawrence College. Seu trabalho tem recebido
destaque na revista Esopus e em vários blogs internacionais. Continua morando
em Manhattan, onde leciona escrita criativa.
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