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20 de novembro de 2015

Resenha — A Sociedade dos Meninos Gênios



Um das experiências mais interessantes proporcionadas pela literatura é aquela identificação imediata e intensa que de vez em quando rola com algum personagem, seja de uma saga favorita ou de uma nova obra que chega em suas mãos.

Duas semanas atrás Violet Adams estava batendo na minha porta, pedindo que eu a deixasse entrar, pois ela tinha idéias que queria discutir comigo, logo depois de me contar a sua história. Fizemos um café, sentamos nas poltronas da sala e ela começou a falar, o que durou até tarde da noite, duas semanas depois.

Sociedade dos Meninos Gênios foi um livro que chegou até mim por indicação de uma amiga que havia achado a temática e a protagonista muito a minha cara, e pode-se dizer que ela estava certa. Um outro fenômeno apreciado na literatura que às vezes se manifesta é a narrativa que consegue atender inúmeros aspectos com sucesso — crítica social, questionamento, discussão de preconceitos etc. — e de quebra levar o leitor a dar altas risadas e se divertir quase o tempo todo, o que torna esta obra, do senhor Lev AC Rosen uma recomendação que está muito além de ser direcionada apenas para fãs de ficção científica.


O primeiro ponto que precisa ser levantado sobre a trama é a protagonista Violet Adams, que representa uma manifestação muito nítida de várias coisas que estavam erradas no século 19 e algumas delas que persistem atualmente, não apenas na Inglaterra — onde rola todo o desenvolver da história — mas também na nossa amável realidade brasileira. Violet é mulher, e sua mera existência a coloca em uma posição de inferioridade com relação a uma cultura que privilegia o homem. Além de ser mulher, ela é absurdamente inteligente, e se recusa a aceitar que sua capacidade intelectual (que é maior que a de muitos homens) seja desperdiçada e ofuscada por não haver muito espaço para o sexo feminino dentro do meio acadêmico da época. Cientista nata, a garota, que pretende entrar em uma universidade londrina prestigiada que aceita somente homens, resolve se lançar em uma aventura que irá exigir muito da sua força de vontade e resistência: se vestir de homem e candidatar-se fingindo ser o irmão, Ashton.

Chantagem, mistério, confusões de gênero, coelhos falantes e um assassino autômato: mergulhe na trajetória de Violet Adams, que assume a identidade de seu irmão gêmeo para conseguir uma vaga na mais prestigiada universidade de Londres, que é exclusiva para meninos [...] Sociedade dos Meninos Gênios traça um retrato pitoresco da aristocracia vitoriana, oferecendo diversão, aventura e uma reflexão bem humorada sobre a questão do gênero.

Uma das características que mais chama atenção na obra de Rosen é a sua iniciativa para quebrar paradigmas e preconceitos que, apesar de serem arcaicos, permanecem no imaginário popular e de alguma forma continuam se reproduzindo. O livro fala muito sobre respeito, sobre a necessidade de reconhecer que cérebro não tem sexo, sobre a possibilidade de crescimento, independência e contribuição que não vem com o gênero e sim com a personalidade. Uma cultura que é fundamentalmente machista se vê destruída pelas atitudes da personagem, que mesmo disfarçada de homem, deixa bem claro em vários pontos do texto o seu desprezo para com a concepção de que mulheres são criaturas frágeis que devem apenas apreciar flores e belezes “femininas”:

— Mas deixe-me mostrar-lhe alguns dos jardins — disse o duque — Espero que tenha um interesse por jardinagem.

— Minha mãe gostava, era ela quem cuidava do nosso jardim. E, embora eu aprecie os extratos químicos produzidos a partir das flores, de horticultura só conheço os rudimentos mais elementares. — Violet assentiu, com a máxima educação possível. Não gostava de ser considerada o tipo de jovem interessada em outra coisa a não ser flores.

Um destaque para a protagonista por sua personalidade analítica e racional, sempre incitando observações minuciosas sobre aspectos e coisas que a outros seria apenas algo cotidiano. Essa característica é o molde de Violet, e mesmo que a garota também tenha um lado romântico, sua natureza sempre reflete a inteligência e a constatação de que mulheres possuem capacidade igual à dos homens para ocuparem um lugar de inovação e instrução.
Aliado a essa potência do livro que traz muitas críticas sociais, o narrador também apresenta esse aspecto romântico envolvendo alguns personagens que, somando-se à trama inicial, acontece de uma maneira bem construída. O autor teve o cuidado de criar uma porta de entrada para esse elemento sem prejudicar as demais funções da história, resultando em uma leitura que leva o leitor a apreciar tudo que acontece simultaneamente.

Sociedade dos Meninos Gênios nos transporta para um mundo onde a ciência torna possível o impossível. Inspirado por duas grandes obras da literatura universal, Noite de Reis, de Shakespeare, e A Importância de Ser Honesto, de Oscar Wilde, o livro conta a história de Violet Adams, uma menina muito a frente de seu tempo. Ela deseja estudar na prestigiada Universidade de Illyria, freqüentada por jovens geniais. Muito rígida, bem de acordo com os costumes da Londres do século XIX, a escola aceita somente alunos do sexo masculino.

Ashton e Jack, respectivamente irmão e amigo de Violet, também merecem um destaque, o primeiro por sua participação positiva na trama da irmã e uma personalidade que fará o leitor ter crises de riso constantes, e o segundo por trazer um balanceamento coadjuvante bem vindo às aventuras da garota. Demais personagens que também estão sempre presentes — Cecilly, Mirian, Ernest, Toby etc. — ganharam uma atenção importante do autor, que se preocupou em desenvolver as histórias e o passado particular de cada um, convergindo para o momento presente da trama. Todos eles tem conflitos internos e outras características que são expostas ao leitor, tornando o texto mais rico.

Normalmente não sou um apreciador de romances românticos — histórias de amor onde o casal é o eixo da coisa — mas Sociedade dos Meninos Gênios trabalha esse espaço confraternizando-o com os objetivos principais da obra, que são as alfinetadas sociais e a forma como isso desconstrói vários comportamentos absurdos que até hoje acontecem pertinho de nós. O texto corre bem, sendo analítico sem ser maçante, e a leitura flui junto com as aventuras de Violet, Jack e os outros dentro da respeitada Universidade de Illyria. A personalidade dura da protagonista e sua capacidade de ser o símbolo de um pensamento humanista é um dos ingredientes que, misturados á uma pegada Steam Punk e ao bom humor da narrativa com os mistérios que ela reserva tornam o livro de Rosen uma boa pegada tanto para fãs de ficção científica — um prato cheio para eles — como para leitores de outros gêneros que podem apreciar a proposta inovadora do escritor e seu jeito de abordar um assunto polêmico de maneira criativa.

Sociedade dos Meninos Gênios, de Lev AC Rosen é uma experiência de leitura que abre outras perspectivas e lança mão de uma história muito bem contada. Uma recomendação que deve estar na sua estante o mais rápido possível!

Informações da obra:

Título: Sociedade dos Meninos Gênios (All Men of Genius)
Autor: Lev AC Rosen
Ano: 2014
País: EUA
Tradução: Henrique Monteiro




Lev AC Rosen cresceu em Manhattan. Frequentou a Oberlin College e obteve mestrado em Redação Criativa no Sarah Lawrence College. Seu trabalho tem recebido destaque na revista Esopus e em vários blogs internacionais. Continua morando em Manhattan, onde leciona escrita criativa.

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