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7 de novembro de 2015

Análise - Morte Súbita





Faz muitos anos que eu ouvi falar pela primeira vez no nome Harry Potter, que pertence a um menino que era baixinho e ingênuo e que agora é pai de família e tudo mais, depois de passar por alguns acontecimentos bem desagradáveis. Naquela época eu ainda era adolescente e, assistindo os filmes, não tive conhecimento da sua origem nos livros da escritora britânica J.K. Rowling, senhora esta que escreveu a saga do garoto Potter, finalizada em 2007, e que podemos dizer que foi responsável pelo seu reconhecimento mundial dentro do cenário literário.  Anos depois, eis que Rowling decide escrever um romance para adultos, não relacionado ao universo HP, o que certamente atraiu alguns olhares de curiosidade e muitos outros de dúvida sobre o que poderia sair de tal experimento. Disso nasceu Morte Súbita, livro que estou trazendo hoje para vocês, e que mostra não somente uma história que pode ou não ser interessante mas principalmente uma J.K. Rowling absolutamente diferente, sem varinhas e vassouras.

Uma das características mais marcantes de Morte Súbita para aqueles que vieram de leituras anteriores de Harry Potter é a linguagem utilizada pela autora, que não tem nada de juvenil e traz uma expressão de realidade muito crua, fazendo jus à sua proposta de ser um romance para adultos. Ainda que leitores novos de Rowling não o percebam, isso com certeza será algo notável logo de cara para o pessoal mais old-school, e também serve como janela para comentar a habilidade da escritora em se aventurar em um tipo de narrativa totalmente diferente sem deixar a desejar. O texto é muito rico, traz boas descrições de elementos que ela precisou utilizar para sustentar a história e, apesar de a primeira metade ser um pouco “arrastada”, se o leitor for persistente a leitura irá se tornar mais excitante a partir da segunda metade.

J.K. Rowling define Morte Súbita como uma “grande história sobre uma cidade pequena”. Assim são as grandes e boas histórias. Elas nos envolvem com personagens que vivem, por exemplo, nos limites de um pequeno vilarejo. Sem que possamos perceber, J.K. Rowling vai nos envolvendo com a história da cidade de Pagford e nos mostrando que ela nos reserva muitas e grandes surpresas.

Falando sobre o enredo em si, a autora entrou para o ramo da literatura adulta sem ficar para trás e oferece cenas muito interessantes nesse tipo de contexto; situações onde rola sexo e uso de drogas (destaque para as personagens Terri e Krystal), diferentes tipos de abuso, muitas deficiências que existem na sociedade e que costumam ficar longe dos olhos da mídia e da população em geral, jogos de poder político etc., instrumentos que foram utilizados na construção da narrativa e muito explorados durante a história. De modo geral, o texto flui bem e atende a maioria das exigências de um leitor mais criterioso; ele tem conteúdo e funciona.

É válido apontar um destaque para a personagem Sukhvinder, que Rowling utilizou como canal para expor problemas relacionados ao bullying e à exclusão social (link que a autora também faz em Harry Potter) que existem em muitos lugares e muitas vezes são ignorados pelas pessoas com quem o portador convive, justamente o que ocorre com a garota. Seu desenvolvimento com a personagem é muito interessante e guarda surpresas e descobertas que com certeza valem a leitura das 500 páginas do livro.

Esse destaque também pode ser expandido para os outros personagens diretamente ligados à trama, que de maneiras diferentes também ganharam um aprofundamento bacana no que diz respeito às suas histórias particulares. O grande trunfo do livro está no fato de que o eixo da trama é a ausência do protagonista, Barry Fairbrother, que morre na primeira página, e a sequência de eventos desencadeados por sua partida, ligando todos os personagens a um emaranhado que converge cada vez mais para um possível colapso iminente, o que é possível devido ao fato de todos conviverem em uma cidade muito pequena. A empatia é algo que se manifeste muito no texto, contagiando o leitor de cara.

Num primeiro momento, Pagford nos parece apenas uma cidade, como outra qualquer, mas ela pode ser comparada ao nosso bairro, ou à cidade de cada um de nós. Pagford é o nosso mundo urbano, repleto de contradições e violências, e ainda perplexo com o poder e as armadilhas da internet. Nos reconhecemos em Pagford, em seus conflitos e no seu dia a dia. No entanto, naquela pequena cidade, a morte súbita de Barry Fairbrother estava no cobiçado lugar da primeira peça, aquela que não podia tombar. J.K. Rowling constrói um personagem principal ausente, movimentando a trama exatamente por não estar mais lá.

A inovação de J.K. aparece muito na sua idéia de gerir o texto a partir de um protagonista inexistente, escrevendo a história a partir do rastro que ele deixou e da influência que exerce de diferentes maneiras para cada personagem. Morte Súbita é um livro sem nenhum tipo de magia, mas que no entanto tem seu próprio valor diferencial apostando em outros elementos que o sustentam. Ainda que o início da leitura possa parecer ao leitor um pouco cansativa e sem perspectiva de melhora, há uma recompensa confortável que o aguarda nas próximas páginas enquanto a trama se desenrola.

Morte Súbita é o primeiro romance de J.K. Rowling para adultos, e ele vem cercado de mistérios, intrigas, suspense e grandes revelações. A autora nos mostra, página a página, que as pessoas tem muitos, muitos segredos, e que todas elas reunidas são capazes de multiplicar e fazê-los explodir. E a mais encantadora das revelações é a confirmação do talento raro de J.K., que nos faz passar por mais de 500 páginas num só fôlego, aflitos para saber o que acontecerá com cada um dos seus personagens.

Indico a obra para leitores de todos os tipos, ressaltando que ela trabalha com questões sociais de uma maneira bastante atraente, fácil e que capta o leitor nos pequenos detalhes. Particularmente, achei o livro interessante, ainda que levemente pedante em algumas partes. Rowling teve um bom desempenho escrevendo sobre o mundo adulto, e aqui fica o seu mérito por isso. Morte Súbita é a minha recomendação dessa semana, seja você ou não um aluno de Hogwarts.

Título: Morte Súbita (The Casual Vacancy)
Autor: J.K. Rowling
Pág.: 512
País: Reino Unido
Ano: 2012


J. K. Rowling é a autora dos sete livros que compõem a série Harry Potter, publicada entre 1997 e 2007 e que já ultrapassou a marca de 450 milhões de exemplares vendidos em mais de 200 países. Certamente, J.K. Rowling é a autora mais lida do mundo, tendo sido traduzida para 73 línguas e adaptada para os cinemas em oito longas-metragens de grande sucesso.

Além da Ordem do Império Britânico por serviços prestados à literatura infantil, J.K. Rowling já recebeu diversos prêmios e honrarias, incluindo o Prêmio Príncipe das Áustrias para a Concórdia, a Legião de Honra da França e o Prêmio de Literatura Hans Christian Andersen, e foi convidada a discursar na Universidade de Harvard, uma das mais relevantes dos Estados Unidos.

Ela apóia um grande número de causas beneficentes e é a fundadora da Lumos, uma instituição que trabalha para transformar a vida de crianças carentes no mundo todo.


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