Com o dia dos namorados
passando e toda essa festividade nas redes socias, resolvemos entrar na onda do
amor de carona na literatura e aproveitar o espaço literário do site para falar
sobre o livro de romance que ficou em muitos lugares mais famoso que o próprio
Shakespeare.
Já existe uma imensa
bibliografia que trata do assunto, naturalmente. Desde que o mundo é mundo e,
com um pouco de esperança, desde que as pessoas gostam umas das outras e
aprenderam a escrever e registrar, a arte de contar histórias por escrito tem
nos trazido relatos sobre personalidades românticas, histórias de amor e um
grande manancial de casais se dando mal (ou não). De fato, os próprios contos
gregos sobre o amor já oferecem muita coisa em termos de relacionamentos e
coisas construídas a partir deles. Há aqueles que arriscam dizer que este é o
tema mais comum para uma narrativa nos seus diversos formatos, exatamente pela
quantidade de matéria prima disponível.
Então, o que há de novo
neste indivíduo conhecido como John Green e por que nos damos ao trabalho de
escrever sobre ele, uma vez que temos, como já foi citado, Shakespeare e toda a
sua comitiva de escritores reconhecidos no ramo da “literatura romântica”?
Uma das coisas que pretendo
ressaltar neste texto se baseia justamente na quantidade de conteúdo, ou seja,
de matéria prima disponível para aqueles que se aventuram a escrever as
histórias de amor. São séculos de exploração em tudo aquilo que o assunto pode
render, portanto há necessidade de inovar, encontrar novas pontas, novas
brechas, novas formas de contar como duas (ou mais) pessoas podem partilhar o
sentimento mais visado da humanidade.
Apesar de A Culpa das Estrelas ter adquirido
simultaneamente a fama de ser “livro de menina adolescente”, devemos
naturalmente levar em consideração que a obra foi escrita essencialmente para
adolescentes e jovens. É, quase por definição, literatura infanto-juvenil.
Apesar de sua evidente elasticidade e de atingir com facilidade outras faixas
etárias e perfis de leitores diversos, o livro conta a história de adolescentes
e sobre como permeiam todos os dias as nuances que cobrem boa parte da
narrativa. A grande sacada, portanto, não é identificar que existe uma história
de amor entre um garoto e uma garota sendo contada, mas o que há de
interessante neles. O que há de diferente e está sendo explorado pelo autor e
mostrar que o sentimento compartilhado não é imortal e invencível, mas frágil e
sujeito a ser destruído com imensa facilidade.
- O
que há de novo no amor? Será que temos o mesmo tipo de sentimento que
Shakespeare estava tentando retratar em sua obra?
Quando ressaltei no
parágrafo anterior que o livro conta uma história de adolescentes, não estava
restringindo o público alvo, mas restringindo o elemento chave; a sociedade
evoluiu, nossos paradigmas foram alterados e por conseqüência não precisamos
mais de Afrodite para nos apaixonar. Green escreve, portanto, a respeito do
sentimento de amor que possuímos hoje, em sua versão 2.0 recentemente saída do
forno. Nos expressamos de forma diferente da geração anterior, lidamos com
nossos sentimentos através da tecnologia e de outros recursos que o autor
escolheu explorar para atingir a nossa forma contemporânea de gostar.
Pensando nisso, podemos
entender que o relacionamento de Augustus e Hazel, a princípio, pode ser
facilmente modelado de acordo com nossos casais de adolescentes atuais. Isso
gera o primeiro ponto de reciprocidade com o leitor que, mesmo sendo acima de
20 anos, está na maioria das vezes fadado a sobreviver nos padrões de namoro
recentes.
Esta reciprocidade atinge
muitos níveis na medida em que a narrativa avança e passamos a conhecer os personagens
com mais profundidade.. A obra se compromete a criar um paralelo análogo entre
a fragilidade dos personagens em relação ao câncer e a fragilidade do
relacionamento que cresce entre ambos, ameaçado a cada página virada. Cria-se
um elo como uma espécie de cláusula de correspondência: seu corpo frágil
precisa resistir para que nosso amor possa resistir. Ainda que no início da
história Augustus esteja em uma posição tecnicamente favorável em relação à
Hazel, pois sua doença foi derrotada e afugentada, ele carrega desde o seu
primeiro aparecimento um estigma de decadência, que constantemente ironiza com
seu humor ácido e sua personalidade atraente, tornando a leitura divertida.
Um dos objetivos da obra,
portanto, é reforçar esta reciprocidade e levá-la ao seu limite, trazendo o
leitor para dentro do sofrimento compartilhado pelos personagens e fazendo com
que sinta a ameaça constante que os espreita. De repente estamos lá, torcendo para
que o câncer do Augustus não retorne, para que a Hazel consiga respirar, sem a
ajuda do aparelho que carrega o tempo todo, arrastado sob rodinhas. E, quando
finalmente entendemos a miríade dos eventos e a conclusão inevitável, lutamos
com todas as forças para que o garoto não morra, mesmo que isso se torne a cada
parágrafo um fato inquestionável. O grande magnetismo que parece crescer entre
os leitores e A Culpa é das Estrelas funciona
não sob o eixo de amor entre ambos, mas através da ligação que constroem e de
sua grande dificuldade para lidar com o mundo.
- A
vida, o universo e tudo mais
Um outro ponto que o leitor
pode achar interessante é o aspecto filosófico que trabalha nas entrelinhas da
obra. Apesar de ser construído para parecer o cotidiano frustrado de uma garota
adolescente que não pode viver normalmente em decorrência do câncer, a vida de
Hazel discorre muito a respeito da existência e da própria humanidade. Nas
cenas em que interage com outros personagens, como a amiga que a leva ao
shopping para fazer compras, podemos observar a sua atuação em tentar mostrar-se
nos padrões da colega, ignorando com dificuldade a falta de oxigênio, de
resistência e os tubos que carrega no nariz. Ela está lá, mas não está. É
apenas uma última tentativa de resistir e emergir para a superfície, onde todos
a observam com olhos que tentam disfarçar a tristeza e a pena.
Como lidar com isto? Como
vencer um inimigo tão poderoso frente a tantas dificuldades? Como convencer-se
de que sua vida insignificante não está cada vez mais próxima de um fim
inevitável?
Augustus e Hazel são
personagens interessantes, mas ao mesmo tempo partes de um todo. Eles
compartilham uma válvula de escape que esconde todas as perguntas feitas acima,
tornando suas respostas sem importância. Vêem um no outro a única coisa que
pode resistir ao que parece ser indestrutível e usam outras coisas para
fortalecer esta ligação, como o O Homem
das Tulipas Holandês.
Esta não é uma análise
profunda do livro A Culpa é das Estrelas,
embora eu pretenda escrever uma em um futuro breve, mas apenas um incentivo
para deixarmos de lado por um momento o caráter garota-de-15-anos que comumente
é usado como crítica e olharmos para os personagens com a mente mais aberta. A
obra, mesmo que reproduza muitas características já usadas em outras histórias
semelhantes, também possui particularidades que nos são oferecidas pelo autor
no formato de uma narrativa e que merecem atenção, ainda que para análise
crítica.
Mesmo não sendo exatamente
uma resenha, recomendo que os interessados leiam e venham compartilhar conosco
suas próprias opiniões e (por que não?) suas próprias divagações sobre o
conteúdo de Augustus, Hazel e companhia.
Por: Everton Missiagia
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